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2022.02.20

Simplificação do IRS, precisa-se!

 

Estamos a chegar àquela altura do ano em que nos tornamos numa espécie de trabalhadores dos impostos. É curioso perceber que, ao longo dos últimos anos, têm-nos vendido a ideia de que temos um sistema fiscal cada vez mais simples e com maiores benefícios para os sujeitos passivos, neste caso, de IRS, mas será mesmo assim?

Com este texto pretendo, por um lado, despertar para as diversas obrigações que se avizinham nos próximos meses e, por outro, refletir um pouco sobre a dita simplicidade do IRS que, afinal, nos coloca como operadores de dados da Autoridade Tributária. Por isso, para que o imposto final vos pese um pouco menos no bolso, apontem as seguintes obrigações na vossa lista de tarefas:

– Comunicação do Agregado Familiar: até 15 de fevereiro

– Comunicar despesas de educação ou encargos com renda no interior do país ou a duração do contrato de arrendamento: até 15 de fevereiro

– Confirmar no e-fatura as faturas emitidas, completar a informação pendente e afetar as despesas à atividade exercida: até 25 de fevereiro

– Consultar as despesas dedutíveis e reclamar do valor considerado, se for esse o caso: de 16 a 31 de março

– Comunicar a entidade à qual pretende consignar o benefício de IVA ou IRS (despesas gerais): até 31 de março

– Entrega do IRS: de 1 de abril a 30 de junho

Todos os passos descritos têm implícitos o preenchimento de um formulário respetivo que deve ser concluído até ao prazo indicado, sob pena de não se atingir aquele GRANDE OBJETIVO que é a “simples” entrega de IRS, com todos os benefícios considerados, de forma automática ou pelo preenchimento da declaração no prazo normal.

Deve haver aqui qualquer coisa que está a falhar porque considerando a variedade de situações em cada um dos contextos, as especificidades próprias de cada agregado, os quadros e campos próprios de cada um dos formulários e os diferentes prazos a que temos de obedecer, este “simples” IRS parece tudo menos… simples!

Só para exemplificar, vejamos a questão do e-fatura, nomeadamente a forma como é feito o registo e comunicação no Portal das Finanças.

Dito de forma resumida, tudo começa com a comunicação das faturas emitidas pelas empresas, até ao dia 12 do mês seguinte à sua emissão. Qualquer cidadão terá, por cada ano, centenas, senão mesmo milhares, de faturas registadas em seu nome, pelo que diariamente, mensalmente, trimestralmente, anualmente, vê-se obrigado a confirmar se cada um desses papelinhos que é entregue depois de uma compra, por vezes guardado aqui ou ali, se encontra registado no famigerado e-fatura.

Mas, para além da simples confirmação de registo, nas compras em que o vendedor ou prestador do serviço tem mais do que uma atividade, lá teremos de indicar que compra se trata e a que fim devemos afetar essa despesa. O ridículo vai ao ponto de, em pleno século XXI, não se conseguir fazer corresponder a determinado fim, de uma só vez, todas aquelas faturas que têm origem no mesmo vendedor, como por exemplo as que resultam das compras feitas no supermercado à porta de casa ou num qualquer hipermercado… tem mesmo de se fazer corresponder uma a uma!

Calma, ainda há mais… O caso em que fazemos uma compra no “Zé Manel dos Anzóis Lda” (nome exemplificativo) da qual por qualquer circunstância desta vida já não temos o papel e somos levados a tentar “adivinhar” que raio de compra foi aquela, pois o e-fatura não devolve sequer as opções disponíveis para aquele fornecedor.

E se pensamos que estamos mal no fim de tudo isto, pior só mesmo quem tem uma atividade por conta própria que, de há uns anos para cá, para além das tarefas descritas, tem ainda de fazer a afetação das despesas relacionadas com a sua atividade indicando também qual a percentagem de IVA a considerar para que possa beneficiar da sua dedução no âmbito deste imposto, se for sujeito passivo.

Caro leitor, se conseguiu chegar até aqui sem se cansar, os meus parabéns!

A quantidade de prazos e particularidades que cada contribuinte tem de enfrentar naquilo que deveria ser o preenchimento de uma simples declaração é manifestamente exagerado e desproporcionado. Passamos horas a dar cumprimento a obrigações impostas por um Estado burocrático e que em vez de simplificar a vida de quem suporta os impostos, libertando-os destas tarefas, opta por impor um sistema fiscal complexo e, muitas vezes, incompreensível para os cidadãos.

Não posso deixar de fazer referência aos próprios modelos de IRS, que têm inúmeros campos e opções e que deveriam ter uma abordagem muito mais friendly user, colocando questões objetivas para determinadas opções ao invés de “empurrar” para referências legislativas ou quadros que não são objeto de qualquer preenchimento e que nada dizem ao comum dos mortais.

Tudo isto num país onde a literacia digital e o acesso às plataformas eletrónicas não estão ao alcance de todos, antes pelo contrário. De uma coisa estou certo: somos, mesmo, uns grandes contribuintes!

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