
19.08.2025
A 31 de julho de 2025, o Governo aprovou no Conselho de Ministros a extinção da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que será fundida com a Agência Nacional da Inovação (ANI) para formar a nova Agência para a Investigação e Inovação. A medida enquadra-se na reforma do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), que visa reduzir o número de entidades de 18 para 7 e de dirigentes superiores de 45 para 27. Será este o fim da investigação em Portugal, ou o começo de um novo caminho?
Em 2013 iniciei a minha carreira profissional em investigação na área da química, que durou apenas três anos. Rapidamente percebi a fragilidade do modelo: quase todo o financiamento dependia de concursos da FCT (quer os bolseiros, quer os projetos de investigadores), sem grande estabilidade contratual – um cenário de precariedade permanente, que me levou a abandonar a área.
O concurso atual de bolsas de doutoramento da FCT envolve um investimento previsto de cerca de 133 milhões €, distribuindo 1 550 bolsas, 83 % das quais em instituições nacionais. Contudo, cortes recentes no modelo de financiamento base provocaram uma redução de 69 % dos fundos por investigador integrado em unidades classificadas como “Muito Bom” (queda real de 74 %). Ainda, a FCT acumula uma dívida acima de 99 milhões € desde 2023, com mais de 40 milhões em atrasos superiores a seis meses, afetando gravemente laboratórios, projetos e profissionais.
A extinção da FCT é vista por várias associações como um movimento preocupante e pouco transparente, sem auscultação pública prévia. A Associação Académica da Universidade de Lisboa aponta o risco para a continuidade de projetos, estabilidade das bolsas e credibilidade do sistema português.
No entanto, o Governo parece pretender centralizar a inovação científica numa agência que reúna investigação académica e inovação empresarial. Será que esta opção pretende promover uma maior aproximação da investigação académica às reais necessidades do setor empresarial português, promovendo sinergias entre ambos? No âmbito do PT2030, existem cada vez mais programas que promovem estas colaborações, como é o caso do SIID – I&D Empresarial, que promove colaborações universidade-empresa. Estas colaborações incentivam a transferência tecnológica e projetos conjuntos financiáveis por fundos do Horizonte Europa e cofinanciamentos nacionais. Para além disso, dados do IPCTN (Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional) de 2023 mostram que cerca de 63% do investimento em I&D feito em Portugal já é feito por empresas.
A verdade é que uma maior aproximação da investigação às necessidades realistas do tecido produtivo permitirá um impacto mais direto na economia e na sociedade, e parcerias público-privadas podem gerar financiamento adicional e responder à debilidade do financiamento público direto, permitindo às instituições académicas ganharem flexibilidade para desenvolver projetos aplicados e às empresas terem acesso a talento científico e inovação de base.
No entanto, esta transição exige mecanismos legais e institucionais para assegurar continuidade dos projetos e proteção dos investigadores. A precariedade histórica das bolsas FCT pode apenas assumir nova forma dentro da agência única, se não houver garantias de estabilidade e transparência. Corre-se ainda o risco de que o perfil predominantemente estratégico ou comercial adotado pelo setor empresarial possa esvaziar a investigação básica em Portugal, essencial para avanços a longo prazo.
Assim, é legítima a preocupação de se estar perante um retrocesso no financiamento público à investigação científica. Por outro lado, a extinção da FCT abre uma janela para repensar o modelo: via alívio da burocracia, maior articulação universidade-empresa e aposta em inovação aplicada. A questão central passa por se concretizar uma visão de ciência baseada em resultados, meritocracia, parcerias e sustentabilidade financeira — mas sem perder a investigação fundamental.
Ref. (consultadas a 3 de agosto de 2025)
https://www.compete2030.gov.pt/avisos/siid-id-empresarial_mpr-2025-04/
https://abic-online.org/noticia/comunicado-corte-financiamento-da-fundacao-fct/
https://expresso.pt/opiniao/2025-07-29-cativacoes-recorde-e-dividas-malparadas-como-a-fct-se-tornou-o-travao-invisivel-da-investigacao-8b2b576c?amp%3Bfbclid=null
https://www.fct.pt/fct-atribui-1-550-novas-bolsas-de-investigacao-para-doutoramento
https://www.dn.pt/pol%C3%ADtica/reforma-do-estado-governo-reduz-de-18-para-7-as-entidades-sob-al%C3%A7ada-do-minist%C3%A9rio-da-educa%C3%A7%C3%A3o-fct-extinta
https://24noticias.sapo.pt/atualidade/artigos/conselho-de-ministros-governo-anuncia-extincao-da-fct-e-reestrutura-a-ama
https://www.fct.pt/fct-atribui-1-550-novas-bolsas-de-investigacao-para-doutoramento/


