David Pinheiro
Iniciativa Liberal
de Odivelas

 

Artigo – Como o ruído e a propaganda deturpam a natureza dos impostos – o exemplo do ISP

 

2022.04.14

Como o ruído e a propaganda deturpam a natureza dos impostos – o exemplo do ISP

 

“À boleia” das recentes declarações do Governo que fazem antever uma redução significativa do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), importa fazer uma retrospetiva dos acontecimentos e perceber em que medida todo o ruído com as possibilidades de diminuição deste imposto só beneficia quem faz dele uso.

Para além da satisfação das necessidades de receita do Estado (vertente fiscal), os impostos podem ter uma natureza particular (vertente extrafiscal) que, no caso do ISP e demais taxas, assume, por um lado, uma lógica de benefício, com os gastos incorridos em manutenção e construção de infraestruturas rodoviárias, e, por outro lado, uma lógica repressiva, visando condicionar a utilização deste bem (combustível) pelos seus efeitos nocivos para o ambiente e saúde, procurando levar o utilizador a adotar transportes públicos.

Por isso, sempre que abastecemos o carro, o valor final que pagamos inclui (i) a cotação do petróleo, (ii) a logística associada, (iii) o biocombustível e (iv) os impostos e taxas correspondentes – ISP, Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), Taxa de Carbono, Adicional de ISP e o IVA (incide sobre todos os componentes do preço do gasóleo ou gasolina).

De uma forma muito simplista, está assim “justificada” a opção política de agravamento do preço que pagamos em combustíveis, por via dos impostos, que representa 49% do preço final do gasóleo e 54% da gasolina (Expresso, 07/03/2022).

Importa salientar que o ISP é neutro face às variações da cotação do petróleo ou aos outros componentes que formam o preço final, sendo cobrado o valor respetivo, por litro, valor esse que é fixado por portaria. Tanto assim é que, em 2016 (Portaria 24-A/2016 de 11/2), o Governo decidiu aumentar diretamente em 6 cêntimos o ISP porque, utilizando as palavras introdutórias desta Portaria:

ao longo dos últimos anos verificou -se uma redução significativa do valor da tributação total da gasolina e do gasóleo rodoviários, na medida em que uma das componentes de tal tributação é o IVA, que incide proporcionalmente sobre o preço de venda ao público. (…).

(…) Visando ajustar o ISP à redução do IVA cobrado por litro de combustível, atendendo à oscilação da cotação internacional dos combustíveis e tendo em consideração os impactos negativos adicionais ao nível ambiental e no volume das importações nacionais causados pelo aumento do consumo promovido pela redução do preço de venda ao público, o Governo determina um aumento de 6 cêntimos por litro no imposto aplicável à gasolina sem chumbo e ao gasóleo rodoviário.”

Portanto, em 2016, como forma de reequilibrar a receita perdida em IVA e da pretensa intenção de dissuadir o potencial aumento do consumo de combustíveis, decorrente das sucessivas reduções de preço verificadas, não houve “outro remédio” senão aumentar o ISP da gasolina e do gasóleo em 6 cêntimos por litro.

Não foi com surpresa que, após este aumento, comparando a receita obtida com o ISP em 2016, face a 2015, tenha havido um aumento da receita de 341,5 milhões de euros (11,13%). Isto quando, em relação ao mesmo período, a quantidade de toneladas de gasóleo e gasolina transacionadas permaneceu praticamente inalterada: o gasóleo aumentou 0,47% (aproximadamente 20 mil toneladas) e a gasolina reduziu 1,59% (cerca de 17 mil toneladas), de acordo com as Estatísticas das Receitas Fiscais, 08/04/2022, INE e as Estatísticas de Vendas de Petróleo e Derivados da Direção-Geral de Energia e Geologia. Pelo menos a perda de receita do IVA terá sido compensada!

Considerando os pressupostos assumidos que levaram ao aumento do ISP e a forma como foi decidido fazê-lo e quando, já em 2022, a economia começa a perspetivar alguma retoma, somos confrontados com um galopante aumento do preço dos combustíveis, com maior impulso no último mês e meio, mas que já vinha desde junho/julho passados e que tem induzido, também, uma crescente inflação para níveis preocupantes.

É fácil de entender que o aumento do preço dos combustíveis e a inflação têm um impacto direto no bolso das famílias e das empresas e que o Governo deve utilizar as ferramentas que tem ao seu alcance para mitigar esses impactos, nomeadamente as que se refletem no preço dos combustíveis, aqui em análise.

Mas qual tem sido a opção do Governo quando se verificam sucessivos aumentos dos combustíveis, com impacto direto na economia e na cadeia de formação de preço da maioria (senão todos) dos bens transacionáveis?

O ruído e a propaganda!

Como referido, a trajetória ascendente do preço dos combustíveis iniciou-se em junho/julho de 2021 e foi neste quadro que em outubro passado foi publicada a Portaria 208-A/2021. Esta portaria previa uma tímida redução do ISP de 1 cêntimo por litro de gasóleo e 2 cêntimos na gasolina “no sentido de assegurar que o ganho adicional em sede de IVA decorrente do aumento do preço dos combustíveis seja integralmente devolvido aos consumidores por via da diminuição, em proporção, das taxas unitárias de ISP ”. Apesar de tímida, regista-se a intenção!

Seguiu-se o Autovoucher, iniciado em Novembro de 2021, que conferia apenas às pessoas singulares, deixando as empresas de fora, um reembolso até 5 euros nos consumos em postos de abastecimento com pagamento realizado com cartão bancário.

O valor do Autovoucher subiu para 20 euros, em Março, com a circunstância de nem sequer ser preciso despender tal valor em combustível, sendo suficiente, por exemplo, comprar uma pastilha elástica num posto de abastecimento com o respetivo pagamento a ser feito com cartão bancário, conferindo o direito imediato ao reembolso previsto. Justiça fiscal e pressupostos da tributação no seu melhor!

Esgotada a argumentação e percebendo-se que o impacto desta medida na economia real é, praticamente, nula, eis que se decide questionar a União Europeia sobre a possibilidade de redução do IVA para 13%, nos combustíveis, atenuando assim, dizia-se, o efeito do aumento do valor da cotação do petróleo na formação do preço (notícia RR, de 11/03/2022). Mais de um mês desde o anúncio, sem resposta, e continuávamos sem resposta ao problema!

Mas os aumentos no preço dos combustíveis apertam e é preciso tomar medidas, não dá para esperar por Bruxelas, e eis que sai o recente anúncio, mais um, do fim do Autovoucher e que, segundo o Governo, “será substituído por uma medida mais agressiva em termos de impostos”. Sabemos, agora, que esta redução vem, finalmente, ao encontro das propostas que insistentemente foram apresentadas pela Iniciativa Liberal e que se traduzem numa redução de 0,215€/litro de gasóleo e 0,207€/litro na gasolina.

Em conclusão, decorridos cerca de 9 meses desde o início do aumento dos preços dos combustíveis até às recém-anunciadas medidas, todas as tentativas apresentadas foram inconsequentes ou praticamente inúteis. O ruído à volta das questões técnicas de fiscalidade, que em nada abona para a perceção das razões de cobrança deste ou de qualquer outro imposto, e as parangonas que abriram telejornais e alimentaram capas de jornais apenas serviram para uma propaganda de chavões, mas que nada acrescentaram à solução do problema.

Todos sabemos qual a medida que esteve à disposição do Governo, que parece agora ter descoberto, e que objetivamente beneficia de forma transversal os cidadãos e as empresas: a descida significativa do ISP. Mas, ao invés, andámos de anúncio em anúncio, com ruído e propaganda, a protelar aquilo que já deveria estar concretizado há meses e que mais se aproxima da conceção deste imposto. No fim das contas, duma coisa podemos estar certos: O ÚNICO DEPÓSITO CHEIO É O DO GOVERNO!

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