2023.12.27

Mobilidade e saúde (mental), Lina Rosa – Psicóloga

Quando ouvimos falar de mobilidade, somos imediatamente levados a pensar em trânsito e circulação de viaturas, circunscrevendo a nossa preocupação a este aspeto da mobilidade – pelo menos é o que a atuação de diversos governos e autarquias dos últimos anos nos faz crer.

Numa altura em que a saúde mental começa, finalmente, a ser encarada como um grave problema social que urge endereçar, a mobilidade, definida como a faculdade de se mover ou a facilidade de deslocação entre um lugar e outro, desempenha um papel fundamental na melhoria deste parâmetro.

Simultaneamente, cada vez mais é enfatizada a importância da atividade física na prevenção de doenças, na melhoria de enfermidades e como coadjuvante no tratamento de várias doenças frequentes na população portuguesa como a diabetes, a hipertensão/problemas cardíacos, a obesidade, a depressão, etc.

Para possibilitar aos cidadãos uma vida fisicamente ativa, contribuindo para aumentar o seu bem-estar, é importante que a sua zona de residência disponha de condições mínimas para tal. Ninguém (e sobretudo os mais idosos) se sentirá motivado para caminhar na rua se souber que corre sério risco de se magoar ou que irá colocar-se em situações de perigo, ao dividir o percurso de caminhada com os automobilistas. Pela mesma razão, quem enviará as suas crianças a pé para a escola se tiver consciência da insegurança em que o percurso será feito?

Se considerarmos que Odivelas é um concelho em que cerca de 20,9% da população possui mais de 65 anos (de acordo com os censos de 2021, consultados no PORDATA), e este número tem vindo a aumentar, facilmente constatamos que a mobilidade é uma área de intervenção importante para o bem-estar da população, promovendo um envelhecimento ativo, com impacto na redução de custos em áreas fundamentais como, por exemplo, a saúde. 

Em 2018, de acordo com um estudo citado pela Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE), a comparação entre o Índice de Envelhecimento Ativo e o nível de qualidade de vida na população acima dos 65 anos colocava Portugal entre os menos ativos e os menos satisfeitos, suplantando apenas os países do leste europeu (Hungria, Letónia, Lituânia, Eslováquia, Roménia, Bulgária) e a Grécia. Isto mostra o quão importantes são as questões relacionadas com a mobilidade.

O cidadão odivelense depara-se frequentemente com ruas sem bermas, passeios ou onde estes, apesar de existirem, são mal planeados ou sofrem com falta de manutenção, apresentando tampas dos sistemas de esgoto, água e eletricidade elevadas, buracos por falta de pedras da calçada, declives acentuados e escorregadios, dimensões exíguas que muitas vezes não permitem que dois peões se cruzem ou caminhem lado a lado, canteiros de árvores que ocupam toda a largura do passeio e outros obstáculos que dificultam a mobilidade. Acresce a isto a falta de passadeiras que facilitem a travessia de ruas entre zonas com e sem bermas ou passeios, a inexistência de planeamento de estacionamentos, levando a que o cidadão tenha de dividir os passeios e as bermas com os carros estacionados e seja frequentemente ele que tem de se aproximar ou entrar na faixa de rodagem para seguir o seu percurso pedonal.

Para além deste, as diferentes freguesias do concelho de Odivelas debatem-se com outro desafio à mobilidade: o acesso ao centro de Lisboa. Todos os dias pela manhã inicia-se o penoso ritual de tentar chegar ao trabalho ou ao local de estudo no menor tempo possível. Ora, na maioria dos casos, um percurso que sem trânsito é feito em cerca de vinte ou trinta minutos, nas horas de ponta poderá demorar mais de uma hora, num constante suplício de para-arranca.

Podia-se pensar que uma solução seria a utilização da rede de autocarros que conduziriam os munícipes até às estações de metro de Odivelas, Sr. Roubado ou Pontinha, para assim alcançar as zonas mais centrais da capital. Sim, seria uma solução que pouparia tempo. Porém, a ausência de faixas exclusivas dedicadas a este meio de transporte faz com que estes fiquem engarrafados no trânsito intenso que se faz sentir nas primeiras horas da manhã e nas últimas horas da tarde e início da noite nas zonas limítrofes do concelho. 

De acordo com os censos de 2021 (PORDATA), o número de munícipes que se desloca nos transportes coletivos para ir para o local de trabalho ou de estudo diminuiu quase 15% nas últimas duas décadas, enquanto a percentagem de munícipes que utiliza o carro para o fazer aumentou 17,2%. Embora vários fatores possam explicar esta mudança, suspeito que a questão enunciada acima tenha um forte contributo para esta mudança. A criação dos referidos corredores para os transportes públicos poderia em larga medida alterar esta tendência. 

Outra alternativa, passaria por ir de carro até à estação de metro. Mais uma vez, sim, seria uma solução. Isto se o utente soubesse que teria onde deixar o carro estacionado, com facilidade e em segurança. Não é o caso. Os parcos estacionamentos que servem estas estações não são suficientemente grandes para a população que abrangem, levando a que muitos munícipes optem por ir de carro até aos locais de trabalho, enchendo a famigerada Calçada de Carriche de um trânsito intenso durante várias horas do dia. Para além de ser mau para o ambiente, pela poluição que causa, é mau para a saúde mental da população, que logo pela manhã enfrenta doses maciças de stress e ansiedade, e é mau para a produtividade, pois trabalhadores cansados não conseguem produzir o mesmo que trabalhadores repousados e satisfeitos.

Por outro lado, a má fama desta via condiciona negativamente a fixação e desenvolvimento de postos de trabalho no Concelho, pois muitas vezes só o facto de o cliente ouvir que o prestador de serviços os oferece num local em que o acesso é condicionado, leva-o a procurar – e encontrar – o mesmo serviço em locais onde a mobilidade é melhor.

Esta falta de mobilidade dos cidadãos de Odivelas afeta também a vivência familiar, pois o tempo perdido em deslocações, quer sejam de carro ou em transportes públicos, condiciona o tempo – de qualidade – em família. Deste modo, as crianças são muitas vezes “entregues” na escola por volta das 7 da manhã, para permitir que os pais enfrentem o longo percurso que os espera e cheguem ao trabalho a horas, e “recolhidas” doze (ou mais) horas depois num qualquer espaço que a acolheu enquanto os pais encetavam o penoso regresso a casa. E se o adágio popular diz que “a educação começa em casa”, onde está o tempo necessário para esse processo, quando pouco se esteve em casa e desse pouco tempo, a maioria não teve qualidade?

A construção de parques de estacionamento junto às estações de metro limítrofes do concelho de Odivelas, adequadamente dimensionados para as populações que servem, eventualmente com a construção de silos de estacionamento em altura, associada a boas redes de transportes públicos dentro do concelho, seriam uma forma de intervir nestes problemas, impactando em áreas como a saúde, a produtividade, a economia e o ambiente, entre outras.

Em jeito de conclusão, gostaria ainda de acrescentar que para melhorar a mobilidade e, consequentemente, a saúde (mental) e a qualidade de vida dos munícipes, é necessário investir em políticas coerentes que vão para além da “caça ao voto”. É fundamental: avaliar e procurar soluções assentes no conhecimento produzido acerca dos temas – soluções essas que, muitas vezes, envolvem pequenos detalhes com um grande impacto na vida dos cidadãos, como, por exemplo, o “remendo” de uma calçada ou a limpeza de uma berma; definir metas claras e objetivas do que se espera alcançar e formas de medir o sucesso da sua implementação; planear a execução dos projetos de forma transparente, traçando, quando necessário, um horizonte que vá para além dos quatro anos do mandato – porque obras estruturais vão necessariamente para além desse horizonte.

Enquanto a classe política viver refém desse horizonte eleitoralista – e do clubismo partidário – Portugal continuará um país de obras megalómanas, mas acéfalas, sem um fio condutor que promova efetivamente o bem-estar e o crescimento dos seus cidadãos e, consequentemente, do país.

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