Filipe de Sousa Martins
23.04.2022 A democracia em Portugal está doente Filipe Martins
A democracia em Portugal está doente?
Num estudo divulgado no início de 2021 pelo The Economist, em 2020, Portugal desceu de categoria no Índice de Democracia, deixando de ser um “país totalmente democrático” para regressar à categoria de “democracia com falhas”. Uma descida dos anteriores 8.03 para 7.90 (em 10), para a qual não só contribuíram as medidas restritivas impostas pela pandemia, mas também a redução dos debates parlamentares ou a falta de transparência no processo de nomeação do presidente do Tribunal de Contas.
No final do ano passado, o Relatório Global sobre o Estado da Democracia revelou que Portugal foi o único país da Europa Ocidental que registou uma queda em três dos parâmetros que medem a qualidade das democracias: o da independência judicial, ausência de corrupção e igualdade perante a lei. Esta constatação demostra a fragilidade na aplicação da justiça e no esforço do combate à corrupção em Portugal. Com certeza que toda a série de investigações judiciais recentes que revelaram problemas graves de corrupção que envolvem juízes e altos responsáveis políticos tiveram impacto nas avaliações do relatório.
Este relatório, elaborado pelo Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Social (International IDEA), com sede em Estocolmo, mede o desempenho democrático de 158 países desde 1975 e concluiu que, de uma forma geral, o mundo está a tornar-se mais autoritário e que os governos democráticos estão a retroceder, recorrendo a práticas repressivas e enfraquecendo o Estado de Direito. Na Europa Ocidental, Portugal é o único a retroceder nos parâmetros avaliados.
Quando, em 1974, os Capitães de abril levaram a cabo a Revolução, fizeram-no com um objetivo muito claro: devolver o poder ao povo.
Mas esse poder do povo foi de imediato sequestrado por um outro grupo de oportunistas, que tentaram conduzir-nos a uma nova ditadura, dessa vez totalitarista de esquerda, de estilo estalinista, e que ainda conseguiu durante um verão quente tomar de assalto propriedades privadas, nacionalizar empresas e levar a cabo uma descolonização irresponsável, em que deixámos povos amigos entregues a guerras internas, alimentadas pelas fações da guerra fria.
Felizmente, o povo estava atento, percebeu as intenções dos comunistas e teve a sorte de ter militares heróis que voltaram a devolver a liberdade, no dia 25 de novembro.
A massiva afirmação de que aquele era o tempo da liberdade está expresso nas primeiras eleições livres, quando 91,5% da população decidiu exercer o seu direito de voto. Em 2022, nas últimas eleições legislativas, apenas 51,42% dos eleitores decidiram ir às urnas. Mas, em outros atos eleitorais, já foram registados piores valores, como as Eleições Europeias de 2014, em que apenas um terço das pessoas foram votar, com a abstenção a atingir os 66,2%.
Sendo a Democracia o regime político em que a soberania é exercida pelo povo, esse exercício é feito pelos cidadãos confiando parte desse poder ao Estado para que possa organizar a sociedade e gerir os seus destinos. Apesar de não ser um sistema perfeito, está instituído para dar a palavra aos cidadãos e se estes preferem estar ausentes da decisão, porque nele não se reveem, é porque o sistema não está a cumprir o seu propósito.
Os cidadãos perderam a crença nos partidos políticos e, independentemente das suas identidades ideológicas, a falta de transparência e a corrupção são as bases desta frustração, existindo uma convicção negativa de que os políticos estão acima do povo e das leis que regem a população.
Lamentavelmente, ao longo dos anos, muitos são os casos que alimentam esta descrença, alguns dos quais hoje retratados em complexos processos judiciais. Menos complexos, mas mais recentes, vêm-nos à memória o da deputada bloquista Mariana Mortágua que acumulou o salário que recebe no Parlamento em regime de exclusividade com uma remuneração enquanto comentadora televisiva, ou o do uso de uma password pessoal do deputado social democrata José Silvano pela colega Emília Cerqueira, para fazer o seu registo de “presença fantasma” no plenário da Assembleia da República ou, ainda, o do ex-Ministro das Finanças João Leão que aprovou no final das suas funções um subsidio de quase 5 milhões de euros a favor do ISCTE, instituição de ensino superior para onde, passados dois dias após a sua saída do governo, foi ocupar o lugar de vice-reitor.
O ISCTE é aliás uma espécie de incubadora de líderes, ministros, secretários de estado e um presidente da Assembleia da República do PS e tem uma forte representação no atual Governo, do qual cerca de 20% dos membros estudaram ou têm ligações ao ISCTE, destacando-se 3 dos ministros do atual governo: Mariana Vieira da Silva, Helena Carreiras e Pedro Adão e Silva. Este último faz-nos recordar o contrato que tinha assinado com o anterior governo, com direito a receber, até 2026, o valor de 4.500 € por mês, para organizar cerimónias que terminavam dois anos antes, a 25 de abril de 2024, e para quem aquele feliz dia de 25 de novembro de 1975 não devia entrar nas comemorações, pois, na sua opinião, apesar de marcante, divide os portugueses e diz pouco à sociedade.
Se não vencermos a guerra da falta de transparência, da corrupção, da demagogia e da descrença no sistema partidário corremos o risco de ver vingar um Bolsonaro, um Trump ou um Maduro na nossa democracia. Por isso, temos que encontrar uma trajetória que possa recuperar o acreditar das pessoas na política, criar condições para garantir a sua participação e envolvimento nas decisões, sobretudo para uma juventude mais interessada e consciente, com políticos mais próximos dos cidadãos e empenhados na tomada de decisões que conduzam ao crescimento de Portugal e ao reforço da sua democracia e das liberdades dos cidadãos.