08.09.2025

Nos últimos meses, têm-se multiplicado as notícias sobre crimes nas ruas, dando a sensação de que Portugal se tornou um país cada vez mais inseguro. Contudo, se olharmos para os números, percebemos uma realidade bem diferente: o crime mais denunciado em Portugal não acontece nos espaços públicos, mas sim dentro de casa: chama-se violência doméstica, e é um problema estrutural que continuamos a não saber enfrentar.

A violência doméstica é um fenómeno persistente, que atravessa todas as classes sociais e gerações. Mais grave ainda: continua a ser uma das principais causas de homicídios no país, representando cerca de um quarto das mortes violentas. Em 2023, a violência doméstica foi o crime mais participado em Portugal, com mais de 30 mil denúncias, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna. Ainda, dados da Polícia Judiciária mostram que, entre 2020 e março de 2025, as mortes neste âmbito representaram praticamente 25% do total de investigações por homicídios.

E, apesar de ser o crime mais denunciado, apenas 13% dos processos terminam em condenações. O sistema judicial português falha na proteção das vítimas e na punição dos agressores.

Claro que os crimes de rua merecem atenção, e qualquer subida da criminalidade deve preocupar os cidadãos. Mas há uma diferença entre analisar factos e alimentar percepções. O foco mediático em casos isolados de violência urbana não deve servir de cortina de fumo para esconder aquilo que realmente mata em Portugal: a violência doméstica.

Não é por falta de leis que a violência doméstica persiste. O problema está na sua aplicação: processos que se arrastam anos, vítimas que ficam desprotegidas e agressores que continuam impunes. A burocracia e a ineficiência do Estado criaram um sistema onde a denúncia raramente se traduz em justiça.

Ao mesmo tempo, continuam a faltar mecanismos de apoio direto às vítimas: linhas de emergência eficazes, casas de abrigo suficientes, acompanhamento psicológico e jurídico célere. Tudo isto é falado em relatórios e planos estratégicos, mas pouco se concretiza.

Se queremos falar de segurança em Portugal, temos de começar por enfrentar a realidade: o principal risco para muitas pessoas não está nas ruas, mas dentro das suas próprias casas!